Thursday, August 2, 2012

Proxima paragem.

(Por esta altura de Verão, Tunes, deve ser um lugar mais movimentado. Os táxis devem de abundar na pequena praça e a senhora do café deve de vender aquelas bifanas ao dobro do preço, tentando tirar partido do verão, que é cada vez mais curto para férias. Um sopro no esquecimento que faz sobreviver para não desaparecer. Anyway...)   

    Se fosse uma história, começaria com o típico: "Era uma vez", que nos envolve logo à partida num romantismo literário e que nos arrasta a imaginação para um qualquer cenário.
    Já por sua vez, num documentário, preferia a apresentação directa: " E desta vez viajei até...", que me colocava com facilidade num sítio específico.
    Mas neste caso é diferente... uma peripécia, uma história que tem pouco de fabuloso e dispensa bem ser documentada.
         Sendo assim, pergunto-me eu... como se começa algo assim??? ...Talvez seja melhor, uma maneira mais simples... como por exemplo: " Ia eu sentado no comboio..."

     Pois bem, assim seja.

     Ia eu sentado no comboio. A viagem já tinha começado á um bocado, e eu tinha-me indo "enterrando" no cadeirão do meu lugar.
     A janela estava suja de mais, para aquela hora da manha me fazer ter vontade de ir a deslumbrar por onde passava. Liguei o mp3 e preferi deixar o tempo passar.
        Viajar de comboio deixa-nos fazer estas coisas. É uma maneira de viajar singular, que consegue com que nos aborreça-mos a nós mesmos. Então quando vamos sozinhos ainda é pior!!! Passamos por mil sítios diferentes, mas vamos estáticos, alheios ao que nos rodeia, quase como se observasse-mos uma realidade diferente sem capacidade de interferir. 
     Há quem adore viajar de comboio, utilizando como pretexto o facto da comodidade da própria viagem, de uma liberdade física de se levantar, sentar, esticar as pernas, comer, jogar ou mesmo apreciar a paisagem com calma e sem grandes preocupações ou inconvenientes.
    Por outro lado, há os que odeiam... odeiam aquela cadência interminável, odeiam não haver privacidade, odeiam as viagem semi rápidas, que nos dão a sensação, que o "tal" conforto se torna repetitivo, agoniante e interminável. Odeiam o facto de sentirem que a viagem decorre num "avião lento" sem hospedeiras giras que nos confortam a alma com sorrisos e fardas delineadas.

     Bom mas voltando ás viagem de comboio... .

    ...Sentados na cadeira com os olhos colados ao vidro conseguimos ver "cenários", uns fantásticos, que nos são roubados, visualmente, depressa de mais, mas teimam em "crescer" na nossa imaginação.
    Por outro lado, "outros cenários", tornam-se intermináveis e repetitivos, como se viaja-se-mos numa história desenhada que ao virar de pagina, a mesma ilustração se repetisse outra e outra vez com semelhante cadencia até ao fim do livro.
     Lembro-me de quando era mais novo, viajar para o norte de comboio com os meus pais. E apesar da emoção normal naquela idade de viajar para sair simplesmente de onde se está (emoção que me acompanha até hoje, diga-se!!!), tenho na memoria dois exemplos de experiências, do que referi em cima, e que se repetiam todos os anos nessas minhas viagens de férias.
    O primeiro exemplo, passava se logo á saída de Santarém (terra tão distante na altura, ou pelo menos assim me parecia!).
    A minha mãe colocava estrategicamente o seu olhar na janela e alertava-me:
    - " ...estamos a chegar ás Portas do sol...".
     O meu pai, tirava os olhos do jornal desportivo (fiel acompanhante de viagem) e dava o seu parecer de conhecimento geográfico com um abanar de cabeça. Afinal já tinha trabalhado uns anos no "longínquo" Carregado e conhecia a zona.
     Essa confirmação paternal, fazia-nos colar ao vidro e procurar aquela casa (tipo castelo no topo da colina, que nunca cheguei a perceber bem o que era). Mas como a viagem era sempre feita pela manhã, reluzia ao sol de Agosto, com uma imponência digna de algo valioso.
    Claro que passava rápido (e longe!) de mais, nunca dando para observar todos os seus traços, mas a imaginação "tratava" do resto, enquanto aquele cenário ficava para trás.

     O segundo exemplo, era bem mais a norte. Ja depois de ter trocado de comboio em Campanhã e ter seguido na ligação da linha da Régua.
    Era sempre com a mesma vontade que ansiávamos chegar ali, onde a linha serpenteia as encostas paralelas ao Douro, numa paisagem magnífica, misto de natural e rural, onde o verde desorganizado, é interrompido por vinhas bem organizadas e povoações pequenas.
    Tudo isto, rasgado pelo espelho brilhante do rio, que escorre calmamente entre as duas margens, o que as faz parecer o reflexo uma da outra.
    Nesta paisagem linda, a cadência do comboio dava-nos tempo para ir vendo, vendo e... vendo. E de tanto repetir, conseguir - mos saturar toda aquela beleza que teimava a passar, fazendo desesperar, um miúdo pequeno, pela chegada ao destino.

      Claro que viajar de comboio não é só esta visão romântica da própria viagem.
     Verdade seja dita, o comboio é um meio transporte com anos de história e de grande importância social. A grande alavanca da revolução industrial, com uma relevância muito maior do que as minhas simples viagens de verão na infância.
     Viajar de comboio é alem de tudo disponível a qualquer um, logística e financeiramente e mais importante que tudo... é o único meio de transporte terrestre que tem BAR (na minha opinião feito certamente para ajudar a suportar a monotonia da viagem).
     E foi por estes últimos dois factores (mais o factor financeiro, isto é: falta de dinheiro, que já deixou de ser um problema para ser um facto), "ajudados" por eu ter a mota na oficina, que me levaram a esta viagem com destino ao Algarve.

      Bom!!! Mas o melhor, para não nos voltarmos a perder...Será recomeçar:

     " Ia eu sentado no comboio" , quando o telefone tocou...tina acabado de passar Alcácer do Sal, quando a voz do outro lado me disse que o assunto tinha ficado adiado por motivo de força maior e que podia voltar para trás.
     Desliguei, e depois de ter passado um bocado a rogar pragas à "força maior", comecei arranjar uma solução de inverter a direcção da minha viagem e voltar para trás. Tudo me pareceu bem, ate a nível monetário, e afinal estava logo ali... "perto" de Setúbal, tinha acabado de passar Alcácer do Sal, e qualquer regional me trazia de novo para cima.
     Graças à nossa era tecnologia, os comboios novos, dizem-nos a que velocidade vamos, mas para má sorte do meu destino, tinha apanhado o Alfa e o andamento é sempre para cima dos 200 km/h.
     Não sei se já passaram por isso, mas querer sair de um comboio que tem poucas paragem agendadas, é deveras frustrante. O sentir que o destino fica cada vez mais longe e em sentido contrário, faz parecer que a paisagem tende em fugir da vista, ficando para trás. A solução de sair, consegue ser um pensamento tão estúpido como o de saltar de um avião a meio da viagem.
     De repente a velocidade começa a baixar... 210... 160...110...70...40...15... . Olho pela janela e reconheço no meio de obras a povoação: Canal Caveira!!!
     - "È mesmo aqui, se não apanhar um comboio, apanho boleia de um camião".
     A minha costela de viajante vagabundo deve ter falado mais alto, pois quando me levantei e pôs a mochila às costas, tinha as pessoas, em meu redor, a olhar-lhe com um ar de desconfiado...
    Não devia ser muito difícil, sair no apeadeiro. Nada que não se tenha feito, no princípio da adolescência, quando passávamos tardes a viajar entre os apeadeiro velhos de Lisboa (hoje já destruídos), testando a nossa coragem, a apanhar o comboio "lentos" em andamento.
    Claro que hoje sei perfeitamente, que não testávamos coisa nenhuma, sem ser a nossa estupidez, e muitas vezes a pele dos joelhos no cimento do apeadeiro.
    "Mas vamos a isso", -pensei!
    Devo-vos dizer que estava mesmo decidido a fazer uma figura, que certamente, não seria muito diferente de "à de parvo". Mas fui traído...traído pela tecnologia. As portas agora não são de trinco "manual", e só abrem quando o comboio pára. Nada que não tivesse percebido, se não tivesse "perdido" em pensamentos adolescentes.
     Assim...Fiquei somente pela figura de parvo (não pelos joelhos rasgados), e lá me voltei a sentar, com uma serie de olhos sobre mim, que se deviam estar a interrogar onde tinha ido com tanta pressa, e por azar, no sentido contrario ao vagão bar.
     Bom, posso-vos dizer que depois disso, foi ver a velocidade a subir, e a paisagem a ficar outra vez para trás... Restou-me esperar pacientemente pela próxima paragem do itinerário, que devia ser já ali (pensei eu outra vez!), algures no Alentejo.
     Depois de um bom bocado, por sinal... bom mesmo, o comboio lá chegou a uma estação. Ouvi o nome dela... TUNES... e nem pensei duas vezes... e saí.
     Estava livre daquele caixão andante.
    Devia ter tentado puxar um pouco pelos conhecimentos geográficos, mas também sinceramente, Tunes não fazia parte deles.
     Dirigi-me de imediato ao balcão para comprar um bilhete para Lisboa e... só havia para dali a 3 horas e meia. Por sinal o mesmo que me tinha levado para baixo.
     Ainda perguntei por regionais, mas o homem da estação respondeu-me arrogantemente que não haviam, pois estava na linha do Algarve.
     Quase que me senti obrigado a pedir desculpa pelo meu desconhecimento geográfico, percebi que era minha obrigação de bom cidadão, saber que a localidade de Tunes já era Algarve. Para quem lá mora e nos arredores, isto deve ser um facto adquirido, mas eu fazia parte daquele percentagem da população portuguesa que não fazia a mínima ideia onde era Tunes.
     Procurei um mapa para me localizar (mais de metade do dinheiro que levava já estava gasto na passagem para cima), e lá estava no mapa de parede da estação, Tunes no Algarve rodeado por um círculo amarelo que dizia: "who are here / você está aqui " e a 35 minutos de Albufeira e a 50 minutos de Faro (via comboio, claro!). O que me levou logo a duas constatações.
    Primeiro, os alentejanos para baixo de Alcácer, não têm direito de andar de Alfa.
    Segundo, não admira que a percentagem turística no interior seja baixa, um turista que saia aqui do comboio deve pensar que está, não muito longe do fim do mundo.
     Bom tinha de comer alguma coisa, meti a mochila às costas e aventurei me numa das ruas. Posso-vos dizer que não tinha muita escolha, e para não vos maçar muito, fiz 3 trajectos: direita (cheguei ao fim de Tunes), passei para o outro lado da linha e fiz -me na direcção inversa (onde cheguei novamente ao "outro fim" de Tunes).
    Sem grandes remédios, sobrou-me uma diagonal mais longa que me trouxe de volta à estação. Pelo caminho vi dois cafés, onde bebi uma cerveja, um acampamento cigano, uma estação dos correios abandonada (também passei pela nova, que devia ser o conjunto de correios, casa do povo, farmácia e quem sabe o que mais!!) e pelo meio do caminho uma capela do tamanho de uma garagem, que me fez ficar na duvida, se os ciganos não a utilizavam mesmo como garagem. No fim, duas casas de pasto, vazias por sinal.
     Este longo passeio, que me fez explorar a fundo a linda aldeia de Tunes durou uns bons... 25 minutos.
     De volta á praça da estação, resolvi perguntar ao único Taxista que lá estava (e duvido que haja mais algum por esta altura. Digo isto, pois no verão, os "bifes devem de pagar couro e cabelo para sair dali, o que deve chamar mais táxis...Eu pelo menos pagava se tivesse dinheiro).
     Mas como vos contava, resolvi perguntar onde podia comer uma bifana e beber uma cerveja. De certeza que o seu conhecimento profundo da realidade urbana do sitio era bem diferente do meu...
    Ele respondeu que o melhor era mesmo ali, no café da estação, virado para a linha do comboio, com uma explanada na própria gare.
    Sem muitas hipóteses lá fui... ou melhor vim! Pedi uma bifana, uma sagres e para me sentar ao pé de uma tomada, de maneira a ligar o Mac de bateria morta.
    A senhora amavelmente perguntou-me se queria me sentar na esplanada pois "puxava" uma extensão tripla da tomada da arca.
    Sorri e agradeci.
   
    A esplanada é realmente no meio da gare. Tem traços de uma estação antiga mas "acrescentada" modernamente. Tirando assim a personalidade, daquele sitio, que já deve ter sido o "suficiente" para fazer crescer uma população á sua volta.
    O tempo aquece a "moleza" da primavera. Por aqui só vadiavam, literalmente, dois bêbados e uma cigana a vender morangos.
    Tudo parece em pausa, como se alguém tivesse carregado nesse botão, esperando uma vontade maior decidir carregar "play". Até a minha própria viagem se encontra em "pause" esperando chegar o "mesmo" comboio para fazer a "mesma" viagem.
    É nessa perspectiva que vou olhando á volta, perdido numa calma aparente de uma terra esquecida, como numa qualquer na route 66, ali abandonada a murchar, num movimento, que sem cadencia, se vai resumindo a uns raros " entrar e sair" dos 3 cafés ali á volta da estação.
    Pensei na expressão que tantas vezes ouvimos, nas televisões... "...o interior está a morrer". Ironicamente, está tudo menos a morrer. Está mal tratado, perdido, sem saber evoluir nem "aproveitar" o que lhe podia dar personalidade. Numa luta onde a nossa presença desaparece cada vez mais.
    Mas pelo contrario está mais verde, mais "conquistada pela natureza" mais absorvido, o que dá a esta, e certamente, a tantas outras pequenas povoações como esta, um ar "abandonado", uma independência do que "achamos" necessário, uma paz que nos ensinaram a "desprezar".
    Comecei, com isto, a ver uma certa piada no depósito antigo de água, arrumado, no que agora é, o jardim da estação. O novo era mais lá ao fundo, já mais imponente e feito de betão.
    Nisto... passa um comboio de carga que pelo barulho, me fez acordar de volta. Se tivesse aqui a mota, estava mesmo naquela altura de saltar para cima dela e voltar ao alcatrão.
    Por vezes, penso que a loucura é assim que vem, devagar disfarçada em pensamento ingénuos, que se tornam profundos por piada.
    A minha rebeldia é grande de mais para estagnar. O movimento ensina-nos a conhecer e a comparar. Obriga-nos a fazer "com mais opções" e a não nos vender á falta de liberdade.
    Foi isto, (acredito!!!) que levou as caravelas a trilhar os mares desconhecidos, a lutar "Adamastores" romantizados pela coragem e por um espírito de querer crescer.
    Mas na verdade, somos cada vez mais pequenos, murchamos cada vez mais para dentro, à imagem deste... "nosso interior".
    O patriotismo dos feitos passados serve, cada vez para menos, e tirando as linhas escritas nos livros de história, estagnamos! Mesmo quando nos comeram ,e continuam a comer, às "dentadas".
    Assim corremos os riscos de olhar para amanhã e sermos iguais a estes dois bêbados e a esta cigana a tentar vender morangos. Depois, veremos procurar (sem convicção!) nos extremos o conforto do rigor, para fugir ao esforço do incerto.
   
    Vou pedir mais uma cerveja (mas tenho de contar primeiro as moedas que tenho no bolso).
    Volto a pensar... recuso-me a estagnar... por aqui, ou em qualquer outro lado. Continuar... continuar. A informação de mais, por vezes parece que peca pela pequena mentalidade, por isso resta-nos a nossa personalidade.
    Mesmo ainda sendo... obrigados a ouvir "ecos" de putas gordas que teimam em não deixar o palco.
    Já percebemos que não pagamos para foder, mas pagamos e fomos fodidos.
    Regras de uma sociedade vaidosa.

    Chegou a cerveja, onde dou um gole grande. Oiço um dos bêbados a culpar a tecnocracia de "compadrios" enquanto o outro bêbado insulta a liberdade sangrada pela democracia. Pasmo no que ouvi e coloco os olhos na cigana que ... simplesmente continua a vender morangos.
    Devo estar a ficar louco ou apenas, se calhar ... sou revoltado.

    O som metálico dos altifalantes da estação, alertam-me para a chegada do meu comboio, e é neste ultimo instante que escrevo estas linhas, torno a observar os dois bêbados que se mantêm tristemente calados, a olhar para o "vazio" que vai muito alem do fundo dos seus copos, atiçando os meus pensamentos de loucura.
     Acabo a cerveja e resta-me umas moedas ainda. Quando acabar de desligar e arrumar o computador na mala, vou pedir dois copos de vinho (para estes que foram a minha companhia inesperada nas ultimas 2 horas!) e vou pagar com estas moedas. Depois resta-me entrar no comboio e adormecer... pelo menos adormecer!!!

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